A mulher do ônibus


Numa das minhas viagens de ônibus vindo para casa, nessas que demoram mais do que o esperado, sentei-me ao lado de uma mulher. Ela aparentava ter uns 36 anos, mas com páginas de história estampadas em seu rosto já um pouco envelhecido. Ela estava com o celular aberto em uma conversa com um contato intitulado “amor”. Bem, não que eu seja curiosa, mas no ônibus não se tem muito o que fazer e olhar a conversa foi o que me restou. A mensagem enviada foi  “onde vc está?”. Enquanto a resposta  não vinha, o celular continuava ligado, nem a tela bloqueada ela deixava. Estava muito impaciente e seu corpo dizia isso. As pernas balançavam continuamente, as  mãos trêmulas e o suor escorrendo pela testa. O olhar daquela mulher conseguia se perder na paisagem que o vidro nos permitia contemplar  e voltava  para o celular em menos de 5 segundos, na esperança de ter recebido a resposta tão esperada. Bem, a viagem durou 2 horas, chegamos à rodoviária e nenhuma mensagem havia sido recebida. Não sei o que ocorreu depois disso, podemos pensar em tantos possíveis porquês de a mensagem ter sido enviada e em outros tantos porquês de ela não ter sido respondida. Pode ter ocorrido uma briga entre eles e o “amor” da moça não querer falar no momento pois queria um tempo para ajustar o que estava perdido na cabeça, pode ter acontecido um acidente e ele nunca mais responda, pode ser que seu celular tenha sido roubado ou ele somente estava ocupado mesmo e não pôde responder no momento. Para ser sicera, não sei se posso formular um único destino para essa história, visto que cada passo dado depois de nosso desembarque pode ter mudado todo o destino do casal, nem mesmo sei se posso descartar a aflição toda da mulher em busca de um retorno. Estamos vivendo em um século em que as relações são líquidas, segundo Bauman, e nesse mundo de relações que ocupam um recipiente e se adequam a ele, tudo se é vivido com tanta intensidade. Uma dor que é para ser um pequeno corte no dedo vira uma facada, mas também, quem sou eu para quantificar sentimentos aqui, não é mesmo? E além de tudo isso, temos essa tecnologia que mais nos aprisiona do que nos une. Ela foi feita para diminuir distâncias, mas na realidade, a distância foi tão diminuída que podemos caber em uma cela. É uma vigilância cotidiana: o horário da última visualização nos aplicativos, o “visto azul” para saber se a mensagem já foi vista, a cobrança por uma resposta na hora, no momento, tudo no já. Bem, voltando à mulher do ônibus, não sei exatamente qual era o caso dela, se ela apenas estava impaciente por conta dessa rapidez com que a sociedade quer que vivamos nossa vida ou se realmente aconteceu algo e isso deixo para minha imaginação, não sei também o que houve com a pessoa amada dela, mas essa viagem rendeu uma reflexão e o fim disso, deixo para os devaneios de quem estiver lendo.

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